quinta-feira, janeiro 28, 2010

Sans Vera

« Mon ami est parti
L’est parti pour toujours
(…)
Fais Battre Ton Tambour

(…)

Je sens les larmes qui montent
Mais je n'vais pas pleurer
Je sens ma peine qui gronde
Je vais la chanter

( …)

Je sens monter la colère
L’envie de crier

come on take my pain away

(…) »

Emily Loizeau


Ainda vou muito falar dela. No carro dela pensei que não interessa minha arte nem arte nenhuma. E compreendi. O corpo doente e completamente vivo. Não quer criar. Não sabe, não pode querer. E é tão vivo! A vida é ir ao mercado. Escolher gostos que apetecem. Mas o corpo tantas vezes não quer comer. A vida não é ter casa, objetos, decoração. A vida é permanecer o tanto mais que der. Isso serve para todos nós. Porque o corpo quer tanto. E eu já amo esse corpo, e eu já não posso sem ele, e eu já o vejo sempre vivo. Eu acompanho, gosto de viver ao lado. Ver viver isto que luta. Lutar é anterior a criar. Gosto agora da luta.

Ela descasca cebolas e chora. Eu choro. As cebolas choram. Nós as trituramos porque as odiamos aos pedaços. Odiamos tudo aos pedaços. Nós não as vemos diminuir porque temos lágrimas nos olhos. Nós as odiamos aos pedaços, mas não queremos vê-las tornarem-se caldo. Nem importam as cebolas mais.

Ela só quer algo para fumar para a dor passar. Eu só quero fumar com ela. Ela não está habituada à depressão, me disse. Esse desconhecido. Eu penso que a depressão é justamente questão de hábito. Mas ela fala neste desconhecido que incomoda. Quem é ele? Ou ela? Não, a depressão não mexe tanto, não vai ao mercado, não leva à Amsterdam, não ri com o corpo inteiro.

A depressão está no mesmo lugar. É alguém que é sempre este mesmo alguém. Mas ela não. Ela não é alguém.

Ela não é.

Está agora. E não queira saber depois. Simplesmente não queira.

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26 de outubro de 2009

O câncer é sempre de todo mundo.

Ela está triste

Eu estou triste

A casa está triste.

E a gente espera ele parar, o câncer,

Para amanhã tentar de novo.

E ela alegre

Eu alegre

A casa alegre.

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Escrevi estes dois textos quando conheci Vera. Enquanto convivia com ela. Ela viajava, e eu só. Ela estava, a casa cheia. Cheia de tudo. Alegria e lagrimas e sono e insônia. Compreendidos no cheio. Jamais no vazio. O cheio, e a morte perto. Ignorada.

Vera saia, o vazio vinha.

Chamei estes textos de “Para uma amiga que nunca vai ler”. Jamais pensei que o motivo seria a partida. Eu não queria que ela lesse, porque era desimportante o que eu dizia. Era algo que eu escrevia como quem desenha estrelas incessantes num pedaço de papel rasgado: preenchendo o tempo, esperando que ele passe. E o tempo passava quando ela estava. Portanto o vazio era meu. Escritos vazios para o tempo que não passava quando ela não estava.

Mas dias atrás, (agora mês atrás), eu senti saudades e quis tanto que ela lesse e que soubesse da importância da sua existência para mim.

A Vera gata do Caetano. A leonina ascendente gêmeos que em cinco minutos invadiu a casa e a vida, a minha, olhou meus olhos, com seus olhos rápidos e sempre atrasados para um novo olhar. Passou rápida e forte. Para tudo e qualquer coisa: champagne as 10 da manhã, de Marnay à Amsterdam...

“Não tem coisa melhor que fazer coisa chata junto” ela disse descascando cebolas. Nós não sabíamos se estávamos rindo ou chorando.

2 meses de cebolas, invenção de cardápios, arrumação da mesa, choro incontido dentro do carro num estacionamento qualquer, tudo porque era a coisa mais prazerosa do mundo fazer coisa chata junto com ela. A Vera.

Mas ela não estava mais para ler meus textos vazios. E Ainda escrevo.

Ela lia mal. Não sei se não queria ou se não podia. Rápida, nervosa atrás dos óculos, que ficaram na casa. Agora na minha. “eles não importam, mas os traga”. Eles eram a boa desculpa para o reencontro, disse ela sobre eles. Mais um objeto desimportante aos seus olhos.

Se houvesse o encontro, ela usaria os óculos e leria ansiosa os textos que fiz. Mas disso tudo, os óculos e textos continuam sem importância. Só do encontro. Não abriria mão. Ela também não.

Seria um encontro daqueles mais despreocupados, leves, sem importância, mas inesquecível. Como qualquer 5 minutos que passei com ela durante os dois meses na casa.

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12 de dezembro de 2009

Na casa ficaram os óculos.

E quem precisa de precisão?

Na casa ficou a prescrição.

E quem precisa de prescrição?

Eu não preciso de previsão

Eu não uso mais os óculos

Eu não leio o prescrito

Eu só insisto

Nela.

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15 de dezembro de 2009

Ela canta

Os lírios renascem / os lírios vêm

Perfume de quem se foi

...

Ela canta

Os lírios renascem

Perfume da Vera.

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Mon amie, je pense toujours à toi.


4 comentários:

Anônimo disse...

mesmo com pouco convívio,
dois dias foram suficientes
para ver(el)a do jeito que
lindamente descreves:
uma leve tormenta de vida
(será a vida outra coisa que isto?), idas e vindas num carro ligeiro,
impaciências com aquilo que merece impaciência
e sorriso com aquilo que isto quer...
lindo ma.
lu

Anônimo disse...

"tu veverias viver ali / tu deverias ficar ali / passarias todo aquele ano sem mim"...

lu

MayrA disse...

esses dias voltam para mim

Anônimo disse...

qui chante?