"Como era deselegante não ver nada com tantas coisas para serem vistas, o senhor Juarroz ficava em casa, à janela, a ver as coisas do mundo.
Como era possível dentro de casa ouvir o silêncio, o senhor Juarroz abria a janela para entrarem ruídos, pois, no fundo, detestava o silêncio.
Como as mãos eram, acima de tudo, máquinas de tocar nas coisas, o senhor Juarroz, quando ficava em casa em frente à janela aberta, gostava de encostar a sua mão esquerda no vidro.
Como uma das características mais entusiasmantes do ser humano era a capacidade de cheirar e saborear, o senhor Juarroz, quando ficava em casa com a janela aberta para ver e ouvir, com a mão direita encostada ao vidro para tocar, gostava ainda de beber um café bem quente e de cheiro intenso.
Como gostava muito de pensar o senhor Juarroz, quando ficava em casa, com a janela aberta, e com a mão esquerda encostada ao vidro, a beber um café quente, perdia-se nos seus pensamentos e, assim, quando a sua esposa lhe perguntava o que vira e ouvira da janela, o senhor Juarroz não sabia o que responder porque não se lembrava de nada. E apenas uma chávena de café vazia provava algo: ele bebera, de fato, o café.
O senhor Juarroz pensava muitas vezes que o mundo seria mais físico se as coisas vistas ou ouvidas também deixassem, no fim, uma chávena de café vazia, de modo a provar à mulher que não perdia tempo, como ela o acusava. Mas depois de pensar nada se alterou, pois os pensamentos também não deixavam provas. Apenas o café, apenas o café – murmurava”.
TAVARES, Gonçalo. O senhor Juarroz. Pg 29 e 30.
2 comentários:
Mate. Este blog é incrível. Como posso fazer com que pareça tão bom?
Eu queria postar algo como isso no meu site e isso me deu uma idéia. Cheers.
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