Ela disse que a sala se enche de ar quando eu entro. Não é vazio, é ar. Ficamos sempre entre o ser e o não-ser (e quando o ser existe, tenho enxaqueca e quando o não-ser permanece não sinto os dias. Nem as noites). Ela lembrou de elfos, ninfas... Seres que são não-seres. E eu vinha pensando nos espirais da cidade antes de encontrar-me com ela. Onde eles estão? Para onde levam? Eis os usuários dos espirais da cidade.
Vejo um suicida que procura um espiral ao vento. E ele é como uma poesia que não foi publicada. Como aquela poesia que foi sendo guardada para outros tempos, ou então que não se encaixou em livro algum, em carta alguma, em lugar nenhum. Disse alguém então: “Por que publicar o que não presta? Porque o que presta também não presta. Além do mais, o que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto do modo carinhoso do inacabado, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão”.
Penso no suicida e a vida dele (que não deixa de sê-lo) como poesia não publicada. Dessa forma respondo à mulher que berra, sufocada com a decisão do suicida, decisão impossível para ela: “esse louco quer é aparecer!”...
Dessa forma, nesse pequeno vôo, sutilmente a vida-poesia torna-se publicável... Sua vida inacabada tem um gosto carinhoso – a sua existência é, simplesmente, uma tentativa, meio sem jeito, de voar – de ser ser, e de estar. Cairá “sem graça no chão”, como pena, papel amassado, balão furado... Mas será poesia-tentativa.
“Ovelhas Negras de mim querem encontrar os espirais da cidade. Onde estão?” Ouço os gritos de um homem. E assim vejo uma folha de caderno com rabiscos antigos voar desajeitadamente do 27o andar até cair, docemente, na superfície acimentada do submundo urbano.
Sopra o vento. Tem muito ar entre nós. Não é vazio. É ar. Só.
* o Caio faz isso com a gente.
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4 comentários:
e olha que têm folhas que caem do 27o andar com tamanha brutalidade que parecem ter mais do que os 70 quilos que me pesam. as tuas palavras, no entanto, podem se jogar, atirar-se por se atirar, pois são leves e doces como os afetos que sinto com a tua presença.
lindo. acho que tem tudo a ver com a idéia do projeto do livrinho.
bem que tu já tinha falado.
bjs
lu
e olha que eu já vi palavras que se estrupiaram no chão, mais pesadas do que os 70 quilos que me pesam agora. as tuas, no entanto, são doces, tão lindas que demoram a cair, que brincam com a gravidade do mundo, mesmo que cair seja a ordem disso tudo. e não importa quão mais alto seja, se do 27 andar ou do 1o, pois o atirar-se será sempre um salto, doce como os afetos que contigo tenho vivido.
obrigado pelos escritinhos (nem tão escritinhos assim).
acho que tem tudo a ver mesmo com o livrinho.
comun
que legal, acabou saindo duas postagens diferentes, em dois tempos que escrevi. seriam duas tentativas de um atirar-se?
hehehe
comun
que lindo...
tentativas fazem as coisas acontecerem...
um comUm pode ser inComum...
tão incomum que não pode ser de outro jeito senão estraga...
meu incomum e suas palavrinhas...
ma
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