quarta-feira, novembro 10, 2010

"A ausência de provas físicas" Gonçalo Tavares

"Como era deselegante não ver nada com tantas coisas para serem vistas, o senhor Juarroz ficava em casa, à janela, a ver as coisas do mundo.

Como era possível dentro de casa ouvir o silêncio, o senhor Juarroz abria a janela para entrarem ruídos, pois, no fundo, detestava o silêncio.

Como as mãos eram, acima de tudo, máquinas de tocar nas coisas, o senhor Juarroz, quando ficava em casa em frente à janela aberta, gostava de encostar a sua mão esquerda no vidro.

Como uma das características mais entusiasmantes do ser humano era a capacidade de cheirar e saborear, o senhor Juarroz, quando ficava em casa com a janela aberta para ver e ouvir, com a mão direita encostada ao vidro para tocar, gostava ainda de beber um café bem quente e de cheiro intenso.

Como gostava muito de pensar o senhor Juarroz, quando ficava em casa, com a janela aberta, e com a mão esquerda encostada ao vidro, a beber um café quente, perdia-se nos seus pensamentos e, assim, quando a sua esposa lhe perguntava o que vira e ouvira da janela, o senhor Juarroz não sabia o que responder porque não se lembrava de nada. E apenas uma chávena de café vazia provava algo: ele bebera, de fato, o café.

O senhor Juarroz pensava muitas vezes que o mundo seria mais físico se as coisas vistas ou ouvidas também deixassem, no fim, uma chávena de café vazia, de modo a provar à mulher que não perdia tempo, como ela o acusava. Mas depois de pensar nada se alterou, pois os pensamentos também não deixavam provas. Apenas o café, apenas o café – murmurava”.

TAVARES, Gonçalo. O senhor Juarroz. Pg 29 e 30.

2 comentários:

Anônimo disse...

Mate. Este blog é incrível. Como posso fazer com que pareça tão bom?

Anônimo disse...

Eu queria postar algo como isso no meu site e isso me deu uma idéia. Cheers.